terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

As cordilheiras de Sísifo

Sísifo era um cara esperto, enganava os deuses e se deu bem muitas vezes. Mas, foi pego depois da morte e não se livrou do castigo eterno: levar montanha acima uma imensa rocha, que ao chegar no topo rolava abaixo e tome começar do zero mais uma vez e mais uma vez e…


E fica aqui a pergunta: quem nunca se sentiu como Sísifo, que apesar do esforço vê suas pedras rolarem montanha abaixo.


Penso que o Mito de Sísifo pode ser aplicado a muitas situações da vida, mas aqui quero me deitar sobre os caminhos do autodesenvolvimento e para isso lançar mão da imagem não de uma montanha, mas de uma cordilheira. Afinal, a jornada para lidar com as imperfeições humanas e torná-las menos imperfeitas, pode bem ser comparada ao destino do nosso amigo carregador de pedras. E como muitos são os desafios, da-lhe uma cadeia de montanhas, cada uma com sua pedra específica a ser carregada.


Essa imagem da cordilheira tem me ocupado bastante o imaginário, como se fosse essa metáfora capaz de me ajudar a criar um gráfico do controle das imperfeições e, quiçá do meu caminho evolutivo aqui neste planetinha. Tento visualizar o espinhaço a se perder no horizonte e cada uma de suas porções representando traços de minha personalidade que percebo que, se descontrolados, podem fazer tremer as terras das relações. E vejo pedras estacionadas em diferentes patamares. Algumas mais ao pé da serra, outras a meio caminho e umas que aparentam estar perto do topo. E essas podem ser bem perigosas.


Como sou uma pessoa atenta ao que faz mal a mim e às minhas interações, quando percebo que posso causar (ou causei) terremotos emocionais com minhas atitudes, corro pegar a pedra alegórica e carregá-la morro acima. E não como castigo, mas como esforço de transformação pessoal.  Algumas vezes, acaba virando penitência, sobretudo quando acredito que consegui equilibrar a rocha no topo e assumo que domei algum monstrinho interno. Só que não! Eis que do alto da arrogância de quem julga ter tornado perfeita a imperfeição, assisto inerte o despencar da pedra outrora equilibrada. 


O desafio talvez seja olhar para a cordilheira e reconhecer qual é o patamar aceitável para casa pedra, amorosamente acolher as imperfeições e, consciente delas, sem o peso do castigo, não desejar atingir o topo indo além das próprias forças e condições. Do contrário, a queda pode ser dolorosa a ponto de não mais dar conta de outras subidas.


Fica aqui o convite para você visualizar sua cordilheira e nominar suas pedras. E quais delas tendem a rolar em desabalada carreira.




sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Personagens da Pandemia

Desde março, quando o Coronavírus cruzou oceanos e a linha do equador, nossas vidas tropicais foram duramente impactadas. Num país com gosto pela rua, pela festa e pelo toque físico, o baque foi grande. De repente, eis que a ordem era ficar em casa, não mais apertar mãos, não mais abraçar, não mais visitar. Aquele passa lá em casa, vamos tomar uma ali no boteco da esquina foi abruptamente trocado por retângulos na tela do computador. Para quem tem um em casa, claro.

Lá no início havia uma certeza de que em um mês estaríamos de volta à normalidade, mas logo se percebeu ilusão e aos quatro cantos começou a se falar no novo normal. Confesso que essa expressão me parece um tanto estranha, afinal se é normal, já não é novo, mas enfim, a gente precisa de algo para acreditar, mesmo que não se saiba exatamente o que signifique.

O fato é que projetos foram novamente adiados, outros cancelados, alguns [talvez] esquecidos. E nessa onda fomos descobrindo novas habilidades e de um jeito ou de outro, nos reinventando. A vida foi ficando cada vez mais remota. A aula da menina da casa ao lado, as reuniões, as celebrações. E as Lives, não se pode deixar de falar delas. 

Parece que a gente foi dando um jeito de viver o que vivia antes de formas diferentes.  E claro, aqui estou falando de um recorte da sociedade, desse pedaço privilegiado, do qual eu faço parte, que pode fazer home office e não precisa se arriscar no transporte público para chegar ao trabalho. Aliás, de certa forma, essas pessoas também tem seus privilégios, afinal não figuram na lista de desempregades. Que país é esse em que ter trabalho é apanágio?

Mas, voltando à quarentena, tudo era visto como temporário, afinal mais uns dois meses tudo voltaria ao normal (ah! o normal). Eis que o tempo passa, as folhas do calendário foram viradas mês após mês e cá estamos vendo Papais Noeis na TV e panetones nas lojas.

E enquanto a gente foi se ajeitando e se reinventando, muita gente foi perdendo a casa, o trabalho e, tristemente, a vida.

Mas, e a economia? É preciso reaquecer a economia!!! Vamos flexibilizar, afinal as pessoas precisam trabalhar. E aos poucos, o que era flexibilização virou um liberou geral. Praias foram tomadas em feriados, bares encheram nas noites das Vilas e Leblons. 

Enquanto isso caminhamos a passos largos para 6.000.000 de casos e 200.000 mortes. Além dessa tristeza que são as partidas, há que se falar da taxa de desemprego em alta contínua.

E agora que a taxa de transmissão volta a subir e os leitos de UTIs ficam perto do limite da sua capacidade, o fantasma do lockdown volta a assombrar.

Nesse cenário eu olho para o futuro e vejo cada vez mais distantes os abraços e os sorrisos descobertos. E sei que tem muita gente com percepção e sentimentos semelhantes. Mas, muitas outras que se mostram alheias aos riscos ou imunes a eles. E pensando nisso, percebo que nos dividimos em categorias. Aqui e ali podemos reconhecer esses personagens. Vamos a eles!

Consciente: É aquela pessoa que só sai de casa mesmo quando há real necessidade e quando o faz, usa máscara, álcool em gel e segue todos os protocolos recomendados pela OMS. Além disso, atravessa a rua quando vê alguém sem máscara e tenta convencer as pessoas sobre a importância da prevenção. Muitas vezes, volta para casa de mal humor em virtude do que vê.

Nessa categoria, claro, há exageros. Já vi em dia quente gente usando capa até os pês, luvas, máscara e escudo facial. Fico até com dúvida se é consciência ou só medo.

Ignorante: Aqui incluo as pessoas que embora tenham acesso à informação, muitas vezes tem dificuldade de compreender a gravidade. Coisa de cognição mesmo. 

Insensate: Vejo menos como personagem e mais como um desvio temporário de alguém Consciente, que pelo aperto no peito que a saudade traz, dá uma escapulida para ver amigues e/ou família. Sabe aquele almoço de domingo, aquela happy hour, coisa rápida com gente conhecida e que se cuida, vai ficar tudo bem. Então, até pode ficar tudo bem, mas também não pode.

Estupide: Para mim essa personagem é a mais perigosa, pois entendo que sabe dos riscos para si e para as outras pessoas e mesmo assim se recusa a usar máscara e a não aglomerar. Na minha percepção se trata de gente que conhece muito bem o próprio umbigo, pois a ele está sempre a olhar. Nessa categoria, há também quem pense como o ocupante do Palácio do Alvorada: Se Coronavírus realmente existir, provoca só uma gripezinha.

E você, vê mais alguma personagem? Se sim, comenta aí!!!




domingo, 1 de novembro de 2020

Estatística

Entrei para a estatística da COVID. Sim, entrei, mas não sou um número, assim como não são todas as pessoas que foram infectadas, as assintomáticas, as que tiveram ou tem sintomas leves, as que sofreram e as que partiram. E por mim e por todes, faço esse relato, que encerro com um pedido.

Antes de você seguir a leitura, quero dizer que estou bem, tenho sintomas leves e me recupero em casa, onde ficarei quietinha até que não corra o risco de infectar alguém.

Comecei a sentir dores de cabeça e pelo corpo, cansaço e uma certa apatia. Fiquei desconfiada que poderia ser COVID, então decidi me isolar totalmente, sem as saídas esporádicas para as compras. Além do desconforto no corpo, havia um incomodo causado pela dúvida, afinal vivemos num país que pouco testa.

Dias depois do início dos sintomas soube que havia uma campanha para realização de testes na UniSant'Anna, uma universidade particular aqui de Sampa. Era a oportunidade para sair da zona da dúvida, então me encorajei e fui até lá. Imaginava uma longa fila, mas fui surpreendida ao lá chegar e ser atendida imediatamente. Uma picadinha no dedo e 10 minutos de espera. Internamente havia uma estranha mistura de serenidade e apreensão. Eis que sou chamada para uma nova coleta. Frio na barriga e a tranquilidade se recolheu, dando espaço para a tensão. Mais 10 minutos para ter a confirmação de que, apesar de todos os cuidados, o vírus que domina o planeta havia me pego virando a esquina.

Enquanto ouvia as instruções da líder da equipe que fez o teste, minha cabeça estava dividida entre a escuta e a elaboração de uma lista mental com as pessoas com que havia interagido nos dias anteriores. Apesar de, desde o início da pandemia, eu respeitar o isolamento, usar máscaras e adotar todos os protocolos de higienização, eu poderia ter infectado alguém. E esse foi o fantasma que me assombrou naquele momento.

Ao sair do local do teste, fui direto para uma UBS. Assim que cheguei, informei que havia testado positivo para COVID e que fui instruída a procurar avaliação médica. De imediato, uma enfermeira me atendeu, explicando que ela faria a intermediação com o médico de plantão, pois ele é do grupo de risco. Em pouco tempo eu saia da unidade orientada sobre a inexistência de medicamentos para a cura*, mas, com cartelas de Dipirona para as dores e Azitromicina para prevenção de infecções de bactérias oportunistas.  Levei para casa também o sorriso de Natalia, a enfermeira cuidadosa e bem humorada, que dá um duro danado para fazer o melhor num SUS sucateado por esse governo que quer privatizar seus serviços.

Há uma semana sigo isolada e melhorando a cada dia. E hoje, senti vontade de fazer esse relato, especialmente para destacar alguns pontos nele contidos.

Vou começar pelo atendimento do SUS que foi impecável: rápido, preciso, eficiente e, claro, gratuito. O SUS que esse (des)governo quer privatizar. Esse SUS, que mesmo sucateado, segue bravamente na linha de frente do combate ao Coronavírus, sem deixar de prestar os outros importantes serviços que presta (dá um google que vai ser fácil saber). Toda a população brasileira, rica ou pobre, tem direito à saúde universal e gratuita, isso é o SUS que deve ser protegido da sanha privatista de Paulo Guedes.

Agora quero falar sobre a testagem, essa que o Tedros Adhanom recomenda a todos os países como forma de redução do contágio e que Jair Bolsonaro prefere não investir. Lá no início do texto eu falei sobre o atendimento imediato que tive quando fui fazer o teste. Para mim, claro, foi ótimo, não enfrentei fila e tudo foi rápido e eficiente. Ocorre que não pode ser bom para poucas pessoas. Não havia fila porque não houve divulgação, apenas quem conhecia alguém envolvide, que foi o meu caso, que teve a sorte de fazer o teste seguro e gratuito. 

O resultado do teste veio num papel com a chancela da PMSP, o que me faz crer que o governo municipal estava envolvido na ação. Então, pergunto:  Como pode isso acontecer? Como se mobiliza recursos e pessoas para realizar atividade fundamental para controle da pandemia e a população não é informada? 

E para terminar, vou especular sobre o momento do contágio. Fazendo a cronologia, provável e ironicamente fui infectada num dia que fui ao INSS entregar uns documentos da minha mãe. Em plena pandemia o órgão exigiu que uma pessoa de 83 anos atualizasse o seu cadastro. Para evitar que ela corresse o risco de contaminação, fiz uma procuração e fui. Foi o único momento desde março que estive em um local fechado, com ar condicionado e com bastante gente. Então, intuo que tenha sido contaminada ali. 

Esses 3 destaques que faço estão diretamente ligados aos governantes desse país. Então, quero aproveitar para pedir para você refletir bastante sobre o peso do seu voto. Do voto que você vai dar em 15/11 e de todos os que já deu na sua vida. 

Vivemos um momento de muitas incertezas, mas não há dúvidas de que temos o poder de escolher as pessoas que tomam as decisões. Escolha bem, escolha pensando no coletivo, no bem comum.

Pesquise, converse, leia, reflita, não deixe que o vírus da ignorância, da apatia e da indiferença lhe contaminem. Vote!!! Vote consciente!!!
 






* Quando fui informada na UBS sobre a inexistência de medicamentos para a cura da COVID, brinquei com a enfermeira perguntando se não iria me dar Cloroquina, ela entendeu a piada, riu e em seguida falou: você não tem ideia de quantas pessoas fazem a sério essa pergunta. 


quinta-feira, 2 de abril de 2020

Normalidade

Tenho ouvido, falado e refletido sobre como será quando as coisas voltarem à normalidade.

Mas, me pego a pensar sobre o que consideramos normal?

Naquele cenário pré-pandemia, normal era a desigualdade, trabalho precarizado ou análogo à escravidão e difícil acesso a serviços essenciais como saúde e educação a quem está na base da pirâmide, o que se refletia em altos índices de pobreza, num moto contínuo de “o de cima sobe, o de baixo desce”, como diz a música.

Além disso, na tal normalidade o consumismo é incentivado, o mais é melhor, o se não tem para todo mundo, bora lá garantir o meu, seja o álcool em gel ou o pacote de arroz. E o pior de tudo: o conformismo faz com que se aceite as coisas como elas são. E olha o moto contínuo de novo aí gente!

Naquele normal de antes era correria, muito trabalho sem significado, pressão vivida em prédios de vidro apinhados, ruas lotadas de pés e carros apressados, poluição de todo tipo.

Era mais tela que pele, relações líquidas como dizia o Zyg.

Tinha preconceito, discriminação e violência.

Normal era fechar as portas para refugiades que não sucumbiam aos barcos que adernavam. Normal, aliás, se tornaram as guerras e a fome.

Antes do Coronavírus e de suas consequências, também havia muitas coisas bacanas acontecendo. Mesmo que inserido no sistema, havia e ainda há, um movimento que busca quebrar essas correntes da normalidade aprisionante e tóxica. Talvez essa parada seja propícia para que nos movimentemos e passemos a sentir as correntes que nos prendem. Rosa de Luxemburgo se orgulharia de nós.

Então, qual é o próximo normal? O que você, eu e todes podemos fazer agora que estamos em isolamento e a dimensão do tempo parece ter mudado.

Que “normal” queremos criar?

Que correntes queremos quebrar?

Que muros queremos derrubar?

Que pontes queremos construir?

Com nossas individualidades presentes e fortes, que coletivo podemos formar?

Operários - Tarsila do Amaral - 1933

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Selo e Carimbo

Sinto falta de receber carta com selo e carimbo.

Esse é meu jeito poético de falar que sinto falta de relações menos instantâneas, das coisas que são feitas com presença e inteireza, sem pressa, sem ansiedade.

Enviar uma carta pelo correio é exercício que exige parar, pede entrega: escolher papel e tinta, cuidar para que a letra fique bacana e legível, que as palavras carreguem o sentido, sentimento, as vontades, pensar no tempo que levará para o/a destinatário/a receber, no tempo necessário para que ele/ela leia, sinta, processe, responda (se resposta houver).

Ressignificar a carta com carimbo e selo pode representar o resgate de um saber lidar com tempos e ritmos.

Em nosso tempo há muitos substitutos para o conjunto papel, envelope, selo e carimbo, mas espero que aprendamos a usar a tecnologia para nos aproximar de verdade.

Goethe disse certa vez: Riqueza e velocidade é o que todos ambicionam! Excedemos na educação para isso e, assim, nos tornamos medíocres.

Que fiquemos com a riqueza das relações inteiras e a velocidade do bater dos corações saudáveis.



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Que culpa tem 2016?

Muito tem se falado sobre 2016: que foi um ano difícil, parece que nunca vai acabar, tanta gente boa morrendo, crise econômica, moral e política, desemprego, enfim, desgraceiras a dar e vender.

Na verdade todo fim de ano essa conversa se repete mas, pergunto que culpa tem o ano? O que leva muitas pessoas a atribuir a um período, um ciclo a responsabilidade pelas mazelas ou alegrias vividas?

Fico aqui me perguntando sobre o que faz com que se avalie um ano como bom ou ruim? Sobre o quanto se deixar levar pela negatividade ou pela positividade pode refletir nos acontecimentos e na forma de reação a eles e no que se reflete em cada pessoa?

Minha percepção é que em 2016 as vibrações no planeta tenderam a ficar no polo negativo. Sim, de fato foi um ano em que muitas coisas ocorreram à nossa revelia: doenças acometeram a nós e a quem amamos, tragédias aconteceram - aviões caíram, barcos afundaram, guerras se intensificaram, safras se perderam e tantas outras coisas favoreceram a onda de negatividade. Mas, creio, só nós podemos mudar isso tudo. Só reclamar faz com que nos eximamos da responsabilidade que temos de fazer com que a vida seja melhor.

Qual é o papel de cada pessoa para que no final de 2017 não voltemos a falar mal do ano e sim refletir sobre como fizemos para o ano tenha sido o que foi.

Ouso dizer que precisamos de coisas bem simples: mais diálogo,  empatia, interesse genuíno pelas pessoas, pelo planeta, mais conhecimento, mais amor. Pode parece pueril, mas a mudança só vai acontecer se nos conectarmos com as energias do amor, da compaixão, do altruísmo e acreditarmos na imensa força que temos como seres espirituais em passagem pela matéria.

Um texto atribuído a Goethe me parece bem oportuno nesse momento.

“Cheguei à terrível conclusão de que sou, o elemento decisivo. É a minha abordagem que cria o clima. É o meu humor diário que faz o tempo. Possuo o tremendo poder de tornar a vida miserável ou prazerosa. Posso ser uma ferramenta de tortura ou um instrumento de inspiração; posso humilhar ou ter humor, machucar ou curar; Em todas as situações, é a minha resposta que decide se uma crise escala ou des-escala, se uma pessoa é humanizada ou des-humanizada. Se tratamos as pessoas como elas são, nós as tornamos piores. Se tratamos as pessoas como elas deveriam ser, nós as ajudamos a se tornar o que elas são capazes de se tornar.”

Que amanhã quando celebrarmos a chegada de 2017, seja realmente um momento de virada.    


Pintura: Amy Tanathorn



sábado, 13 de agosto de 2016

O mundo de dentro da gente

Tenho observado quase em silêncio a febre do momento, o Pokemon Go. Curiosidade até tenho, mas não num nível que já tenha me feito baixar o jogo e experimentar a sensação de "realidade aumentada" que o brinquedinho parece propor. Na verdade, a preguiça é maior.

Mas, para refletir sobre as inquietações da alma humana a preguiça não me domina e parece-me oportuno olhar para dentro enquanto parte do mundo se dedica a olhar para fora em busca de monstrinhos a serem caçados e outras tentações que o mundo virtual oferta.

André Abujamra em sua música Imaginação diz que o mundo de dentro da gente é maior do que o mundo de fora da gente. Intuo que cada pessoa que está com os pés plantados nesse planetinha pode concordar com a poética afirmação. Aliás, as inquietações humanas tem sido expressadas de muitas formas, poéticas ou não. Friedrich Nietzsche, por exemplo disse Eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Praticamente em uníssono Walt Whitman poetizou Eu sou contraditório, eu sou imenso. Há multidões dentro de mim. Já Manoel de Barros, em seus versos disse: Tem mais presença em mim o que me falta. E é a partir do pensamento dos nossos poetas que quero seguir com as palavras adiante.

O mundo de dentro da gente é maior do que o mundo de fora da gente (André Abujamra) e mesmo assim tem mais presença em mim o que me falta (Manoel de Barros). Esse contraponto poético é, em minha percepção, a tradução para a babel que nos habita. Há, entre tantas vozes e silêncios que nos envolvem uma necessidade de se conectar com o mundo interno, em contrapartida, há "lá fora" tantos interesses, tantos "monstrinhos" a serem caçados. Há o chamado para a meditação e para postar a foto da viagem. Há o que é interno que de alguma maneira se externaliza como forma de internalizar assim que vierem as aprovações em formas de "curtidas", comentários, compartilhamentos e top trends.

Vivemos tempos loucos em que os 15 minutos de fama profetizados por Andy Warhol, para muitos, parecem ser mais importantes que a tal "paz interior". Aliás pergunto-me: o que seria mesmo a paz interior se são exatamente as inquietações, que feito pé na bunda, podem nos impulsionar a novas descobertas? Mas, o que haveríamos de descobrir dentro e fora de nós? 

E para as descobertas é preciso intuir e intuição é essa mistura do que está dentro de nós com o contexto exterior. Mas, como encontrar a medida exata do mergulhar nas profundezas do ser e emergir na vida lá fora? O que fazer quando há tantos convites para ficar na superfície e o mergulho na essência parece tão assustador? O que será preciso para abrirmos mão do escafandro e nos lançarmos em apneia no oceano da alma?