domingo, 18 de julho de 2010

Extra, Extra: Frio de rachar no Mato Grosso.

Mais uma vez volto para essa terra quente do centro-oeste brasileiro, mas agora encontro frio, muito frio.

A frente fria que atacou os gaúchos subiu ferozmente e envolveu até a sempre muito quente Cuiabá. Em Chapada dos Guimarães, meu destino nesta viagem, fez frio europeu e o termômetro chegou a zerar.

Esse “outro” Mato Grosso é diferente daquele que descrevi nos posts anteriores. A Chapada fica a 60 km de Cuiabá e a proximidade com a capital aliada ao fato de ser um dos lugares mais bonitos do Brasil empresta ao local ares mais prósperos dos que se vê na região do baixo Araguaia. Há problemas, como em todo lugar, mas parece que por aqui são mais suaves ou menos perceptíveis.

Em Chapada, estou conduzindo em parceira com Regina Silva a turma 52 do Germinar (www.ecosocial.com.br/germinar). Chegamos com grande atraso devido a um congestionamento monstro em São Paulo que nos fez perder o vôo. Estranhamente não perdi a paciência, mesmo após chegar e saber que metade do grupo não participaria do modulo 3. Devo essa serenidade a uma visita que fiz na noite anterior ao templo da Monja Coen (http://www.blogger.com/www.monjacoen.com.br).

Mesmo com esses imprevistos, o trabalho foi ótimo, as pessoas estavam, genuinamente interessadas e dedicadas. E como o grupo estava menor, foi possível ficar mais perto de todos, conversar mais, conhecer um pouco mais e me mostrar além do papel de coordenadora da turma.

E é maravilhoso a cada momento confirmar minha crença na capacidade humana de fazer o bem. Foi isso que vi no olhar de cada um que compartilhou comigo esses últimos quatro dias. Bacana mesmo acompanhar os processos de crescimento e desenvolvimento pessoal.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Vivências Mato-grossenses II

Sobrevoando a Ilha do Bananal olho para trás e me despeço de São Felix do Araguaia. O pequeno avião chacoalha no céu envolvido pela fumaça das queimadas. Do alto vejo as lindas praias que se formam em época de seca. O espetáculo é bonito, mas é resultado, também, do assoreamento do Rio Araguaia, provocado por décadas de desmatamento da mata ciliar.

Dias antes desse sobrevôo estive em Porto Alegre do Norte para a condução do modulo 3do Programa Germinar. Foi uma experiência e tanto falar sobre mediação de conflitos para pessoas que diariamente os tem na pauta. São contendas de toda ordem: sem terra que invadem latifúndios, ministério público que flagra trabalho escravo em fazendas e empresas, brigas de bar, policiais que atiram primeiro e perguntam depois, padres que acreditam que os mártires são necessários. Tudo parece muito frágil.

Tiago Sartori, meu fidelíssimo companheiro de aventuras mato-grossenses, e eu, depois de concluído o modulo, seguimos para São Felix do Araguaia, onde completamos nossa intensa semana de trabalho. A viagem foi um rali. Foi a primeira vez que dirigi tantos quilômetros – cerca de 200 – em estrada de terra. Bela experiência.
No caminho, além da poeira típica da época de seca, animais passeiam pela estrada: tatus, saracuras e bois, ou melhor, boiadas. Em certa passagem eram tantos que temi não conseguir passar por aquele trecho, mas eis que surge a figura mítica do peão de boiadeiro. E eu que imaginava que esse profissional do campo surgisse numa bela montaria, surpreendi-me quando ele passa afugentando os bois montado numa motocicleta. É os tempos são outros.

No meio do caminho passamos por uma cidadezinha que está fincada no meio da terra indígena Marãwatsede. Os índios foram expulsos da área em 1966 quando ocorreu a ocupação da área pelos fundadores da Fazenda Suiá-Missu, à época o maior latifúndio do Brasil. Em 1992, a por conta de um acordo firmado na Eco-92, foi anunciada a devolução da terra aos índios. A demarcação da terra foi concluída pela Funai em 1993, mas somente em 2004 um grupo de índios Xavante retornou à Marãwatsede.
É uma das tensas áreas da região, pois mesmo após o reconhecimento oficial pelo Estado brasileiro de que o território é indígena, fazendeiros e políticos da região incentivam a invasão da terra por posseiros.

E um dos poucos pontos de parada para alongar o corpo que vibra com tanto solavanco. Andar por ali dá a sensação de estar participando de algum daqueles antigos filmes de bang-bang.

Seguindo a viagem, saímos da BR 158 – aquela cujo asfalto só existe nos mapas do governo e pegamos a BR 242, também de terra vermelha. Mais duas horas de chão e São Felix se apresenta.

Ao chegar à cidade, fomos para a simples pousadinha que nos abrigaria nos próximos três dias. Tudo o que queria era um banho e cuidar da minha abstinência de internet. E isso foi feito já que a pousada, apesar de modesta, tinha chuveiro quente e WiFi.

No dia seguinte acordei às 5 horas e aproveitei para ver o sol nascer do outro lado do Rio Araguaia. Belo espetáculo, pena que o céu, no decorrer do dia ficou tingido pela fumaça das queimadas, que soube mais tarde, são provocadas pelos índios, numa pratica ancestral. E eu que pensava que os índios cuidavam bem da terra.

À noite, quando jantava num restaurante flutuante atracado à margem do rio, dava para ver os clarões amarelados na Ilha do Bananal. Não bastasse esse triste espetáculo, soube que as águas do Araguaia recebem litros e litros de óleo sendo despejados diariamente pelo restaurante. E ninguém faz nada a respeito.

Mas, nem tudo é desalentador. A natureza é forte e lutadora, pois mesmo nesse ambiente maltratado foi possível ver botos nadando felizes.


Esse Mato Grosso é cheio de surpresas.

04 de julho de 2010

domingo, 4 de julho de 2010

Vivências matogrossenses

Mais uma vez volto para casa depois de uma semana inteira no Mato Grosso. O que me leva para essa região é uma turma do Programa Germinar – Desenvolvimento de Líderes Facilitadores, que conduzo em companhia do meu fiel escudeiro Tiago Sartori.
Estive em Porto Alegre do Norte, cidade que fica às margens da BR 158, no nordeste do Estado.

Calor, poeira e latifúndios. Parece que é desses três itens que é feita essa parte do país. Mas, há mais, muito mais que isso. Há rios, águas que cortam as terras e ligam os povos. Há gente, gente de todo canto: nordestinos, sulistas, nortistas, franceses, espanhóis... E a terra é representada pelos filhos daqueles que viram a possibilidade de fazer vida nova no longínquo Mato Grosso, além, é claro, dos indígenas, centenas de povos que veem sua terra ancestral ser tomada por interesses econômicos e vaidades humanas.

Conhecer o Mato Grosso, esse grande Estado localizado no Centro-Oeste brasileiro não é fácil. Há contrastes, lutas de toda ordem e uma sensação de que algo está prestes a acontecer.

Chegar à capital, partindo de São Paulo é fácil. Um simples vôo comercial de hora e meia deixa o viajante na quente Cuiabá. Mas, engana-se quem pensa que chegar à capital política do Estado será o suficiente para conhecer a realidade mato-grossense. O Mato Grosso real só se alcança com muito chacoalhar nas estradas poeirentas e esburacadas. E, em muitas delas, o asfalto só existe nos mapas do governo. Mapas que datam de décadas atrás, diga-se de passagem. A outra opção é balançar no céu, a bordo de pequenas aeronaves que pousam, inclusive, em pistas de terra, como a de Confresa, no nordeste do Estado, perto da divisa com o Pará e Tocantins.

A região é quente, mas não só no sentido literal. Há conflitos sérios que atravessam décadas. Terras indígenas invadidas, sem-terra acampados a espera do seu quinhão, latifundiários que reclamam seu direito de manter suas posses que parecem ultrapassar os limites do horizonte. Nesse cenário, surgem os mártires que deixam suas vidas esvaídas em sangue e seiva. Gente e árvores são esses os mártires de que falo.

Há pouco mais de 40 anos a região, até então um mato grosso, floresta densa e cerrado misturado, foi recebendo gente de outras partes do país para colonizar a região antes habitada pelos índios, povo que sabe viver na terra e nas imensas águas, tirando somente o necessário e respeitando seus limites. Mas, o branco que para lá foi, desprovido da sabedoria dos povos indígenas e incentivado pela ganância colocou a floresta no chão, para criar pasto e plantar soja, entre outros vegetais que viram ração animal.

Muitos outros, oprimidos pela fome; também foram tentar uma nova vida no que parecia ser a terra prometida. Lá encontraram intolerância, escravidão e uma vida, certamente, mais difícil que a que deixaram para traz.

Nesta terra, em 1968, chegou o padre catalão Pedro Casaldáliga. Atualmente ele é o Bispo Emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia, um homem franzino e extremamente corajoso que comprou brigas com os grandes latifundiários e com o governo militar, pouco depois de fixar-se na cidade que crescia às margens do Rio Araguaia.
Logo que chegou foi recebido por corpos de quatro crianças mortas, colocadas em caixas de sapato. Essa recepção já lhe trouxe a certeza de que sua missão ali seria árdua. Não custou muito para colocar-se ao lado dos pobres e dos índios. E tem sido, nesses anos todos, um lutador incansável pelos direitos desse povo sofrido. Nessa luta sua vida esteve por um fio inúmeras vezes, seja pelas malárias que contraiu – segundo ele, a doença o naturalizou brasileiro – ou pelas tentativas de assassinato.

No livro “Descalço sobre a terra vermelha”, uma biografia escrita pelo também catalão Francesc Escribano, Dom Pedro diz: “Às vezes, acho que estou vivendo de gorjeta, porque escapei da morte muitas vezes...O perigo é ter medo do medo. Ademais, sei perfeitamente por que me ameaçam, e sei que as causas que sustento são mais importantes que a própria morte que possa vir”.

Atualmente, Dom Pedro, ou simplesmente Pedro como é tratado pelos moradores da cidade, vive na mesma casa simples, cuja porta está sempre aberta. Não é mais o Bispo da região, mas o povo reconhece nele a liderança inspiradora que mantém a esperança de uma vida melhor para tanta gente que vive naquelas paragens.
Essa é a minha 3ª. experiência no Estado, pois já estive em Canarana e em Alta Floresta, mas confesso que só agora, em Porto Alegre do Norte, percebo mais claramente os problemas sociais, ambientais e econômicos da região.
Uma fala de D. Pedro contida no livro acima citado dá um panorama dos problemas atuais no Estado: “Antes dos gaúchos e do crescimento econômico que provocaram, a região tinha apenas índios, posseiros, peões e latifundiários. Apenas dois lados. Agora, há uma classe média formada pelos pequenos proprietários e os comerciantes. Esse mundo já não é tão simples como há 30 anos, agora a realidade tem muitos matizes mais”.

Não quero parecer pessimista, tampouco, alarmista. Há inúmeros problemas, é verdade, mas há também muitas iniciativas que buscam a integração e a convergência. Além da figura forte de Dom Pedro, há pessoas abnegadas lutando pela preservação da floresta, representantes dos povos indígenas posicionando-se firmemente e fazendeiros – poucos ainda – que começam a entender que é preciso criar práticas mais sustentáveis.

Pode parecer utopia, mas acredito que um dia se sentará à mesma mesa, defendendo as mesmas causas, os que hoje se declaram inimigos. É preciso acreditar que a Amazônia será palco de uma revolução humana integradora. É preciso dar um basta à desagregação.

23 de abril de 2010

Feliz da vida ao lado de Dom Pedro Casaldáliga