quarta-feira, 26 de março de 2014

Um amor de verão

Na época do ocorrido que narro aqui morava em apartamento, então dá para imaginar meu susto quando, certa vez, lá pelas duas da manhã ouço um barulho vindo da varanda. Levantei para averiguar e com os olhos embaçados de sono, vi que realmente havia um ser tentando invadir minha sala. Demorei um pouco para entender que se tratava de um gato, um enorme e lindo gato persa, que pela fresta da porta enfiava a patinha tentando abri-la.

Ainda um pouco confusa e desconfiada de que estava vendo e ouvindo coisas, abri a porta. Sem cerimonia o gatão entrou e iniciou a inspeção de cada cômodo da minha casa. De quando em quando ele parava olhava para mim e soltava um miado que praticamente dizia: quem é você?

Assim começou uma linda e breve história de amor. Um amor de verão!

O Tigrão era o gato que vivia no apartamento vizinho e, aventureiro, descobriu que era possível, por uma passagem minúscula, conhecer outras paragens, no caso, minha casa. E fazia isso diariamente. No início ficava poucas horas e com o passar do tempo voltava para seu apartamento apenas para comer e fazer as necessidades. Comigo ele vivia só os prazeres, as obrigações ele deixava para os tutores.

Durante o dia ele se esparramava na varanda, nos meus pés, em cima do teclado do computador, enfim, exercia seu direito de gato e ficava onde bem lhe desse na veneta felina. À noite, ele permitia que eu dormisse em minha cama. Tão generoso, o Tigrão! E eu ficando super apaixonada por aquela bola ruiva de pelos macios.

Porém, certa vez, tive que viajar e quando retornei, ele estava bem bravo comigo, ficou dias sem aparecer e não deu muita "bola" quando fui visita-lo. Aos poucos ele foi me perdoando e voltou a frequentar minha casa. 

Mas, durante o período que fiquei fora, os donos dele também viajaram e ele se sentiu abandonado, mesmo tendo quem fosse lhe dar comida. Resultado: adoeceu e por mais que eu tenha cuidado dele, em pouco tempo eu o vi partindo.

Foi num dia de fevereiro, ele estava na casa dele e eu fui visita-lo. Entrei no apartamento dos vizinhos e lá estava o Tigrão, magro, abatido, com apenas um fio de vida. Aproximei-me dele e acariciando sua cabecinha disse, meu querido. Com dificuldade ele levantou um pouco os olhinhos e na sequencia os fechou para sempre.

Essa história aconteceu há cerca de 8 anos, mas ainda hoje sinto falta daquele gatão que ficou perto de mim pouquíssimo tempo, mas marcou a minha vida.

Hoje, ele deve ser um gato-anjo e cuida de mim de onde estiver.



domingo, 9 de março de 2014

Dona Adriana

Conheci na rua a Dona Adriana, senhorinha de 92 anos que caminhava com dificuldade pelas ruas do bairro. Ao vê-la parei e ofereci ajuda para atravessar a rua, ela aceitou e disse que sentiu vontade de ir à missa e mesmo com a perna esquerda que não ajuda resolveu sair de casa.

Acompanhei-a até o ponto de ônibus e lá fiquei até que ela seguisse para a igreja. Foi um encontro breve, mas cheio de significado.

Dona Adriana, arqueada pelo tempo que lhe pesa às costas, rosto franzido, guardando em seus sulcos as histórias de uma vida longa, carregava um olhar viçoso, um sorriso solto e inspirador.

Enquanto aguardávamos o ônibus conversamos um pouco e, então, soube que ela veio de Portugal aos 15 anos, que o pai a levou para um passeio de avião sobre a represa de Guarapiranga e que ela acha o nome dela muito comprido. Ficamos ali papeando como se fossemos velhas conhecidas, uma sintonia boa. 

Um pouco antes de ir ela falou que confia muito em Deus e que ele manda anjos para cuidar da gente e que eu era um deles. Mal sabe ela o quanto bem me fez, que para mim também foi um anjo.

A vida sempre nos promove encontros. Tem quem chega e fica, quem vai embora e gente como a Dona Adriana, que passa rapidinho, mas que nos marca de alguma forma.




segunda-feira, 3 de março de 2014

The Oscar goes to

Eu sou uma pessoa chorona, amiúde emociono-me de um tanto que às lágrimas brotam feito nascente de rio.

E o que me emociona? Muitas coisas, entre elas, gente dando conta de seu oficio com maestria. Qualquer oficio: um padeiro que com esmero prepara o pão de cada dia, um professor que mesmo com salário indigno se esfalfa para transformar suas aulas em lições para a vida, o porteiro sorridente que tem a noção de que sua função está muito além do abrir de portas e portões. Enfim, emociona-me gente que dedica seu tempo de vida a fazer, seja lá o que for, bem feito, com amor, com zelo.

Mas, devo confessar que uma categoria me encanta sobremaneira: os artistas.

Nessa época de Oscar costumo fazer maratona para ver o máximo possível dos filmes indicados ao prêmio. É comum sair das salas fungando e enxugando o rosto. Mais que as histórias, emociona-me a interpretação dos atores, o correr da câmera que mostra o olhar do diretor, os cenários, os figurinos, o texto, enfim tudo o que faz um filme.

Ontem, após o encerramento da cerimonia de entrega do Oscar fiquei pensando o quanto somos competitivos e, na competição, podemos deixar para trás tanta coisa boa. Todos os indicados fizeram um trabalho excepcional.

Eu torcia por Cate Blanchet, mas como não reconhecer Amy Adams, Judi Dench, Sandra Bullock e Meryl Streep?

Eu torcia por Trapaça, mas como negar a força de 12 anos de Escravidão?

Eu torcia por Christian Bale, mas como não reconhecer a dedicação e a coragem Matthew McConaughey para assumir a pele de um personagem tão diferente dos que habitualmente encarnava? (Aliás, recomendo True Detective, da HBO)

Eu torcia por Jennifer Lawrence que está estupenda em Trapaça, mas Lupita Nyong'o me deixou sem ar.

Enfim, meu Oscar vai a todos os que mandam muito bem!!! Do padeiro à Cate Blanchet!

Que os prêmios sejam à vida e ao amor dedicado ao que se faz!