terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Talentos

Há cerca de um ano frequento um Centro Espirita, uma casa pequena, cheia de amor e excelentes intenções. Os trabalhos mediúnicos sempre são precedidos de uma palestra baseada em alguma passagem do Evangelho Segundo o Espiritismo. Desde novembro tenho me aventurado a ocupar, vez ou outra, a cadeira do palestrante. Tem sido uma experiencia e tanto, que tem me ajudado a refletir, estudar e propor reflexões aos presentes. Hoje, senti forte impulso de compartilhar os textos que preparo para essas ocasiões. Penso que pode ser interessante leitura, qualquer que seja a crença de quem me visita no Formando Imagens.

Como trata-se de uma apanhado de reflexões, ficaria grata e honrada com os comentários.

O texto abaixo será o primeiro que compartilho e está baseado na Parábola dos Talentos.

Parábola dos Talentos

O Senhor age como um homem que, tendo de fazer longa viagem fora do seu país, chamou seus servidores e lhes entregou seus bens. - Depois de dar cinco talentos a um, dois a outro e um a outro, a cada um segundo a sua capacidade, partiu imediatamente. - Então, o que recebeu cinco talentos foi-se, negociou com aquele dinheiro e ganhou cinco outros. - O que recebera dois ganhou, do mesmo modo, outros tantos. Mas o que recebera um cavou um buraco na terra e aí escondeu o dinheiro de seu amo. 
Passado longo tempo, o amo daqueles servidores voltou e os chamou às contas. - Veio o que recebera cinco talentos e lhe apresentou outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão, além desses, mais cinco que ganhei. 
Respondeu- lhe o amo: Servidor bom e fiel; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor. 
O que recebera dois talentos apresentou-se a seu turno e lhe disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão, além desses, dois outros que ganhei. 
O amo lhe respondeu: Bom e fiel servidor; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor. 
Veio em seguida o que recebeu apenas um talento e disse: Senhor, sei que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes de onde nada puseste; - por isso, como te temia, escondi o teu talento na terra; aqui o tens: restituo o que te pertence. 
O homem, porém, lhe respondeu: Servidor mau e preguiçoso; se sabias que ceifo onde não semeei e que colho onde nada pus, - devias pôr o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, a fim de que, regressando, eu retirasse com juros o que me pertence. Tirem-lhe, pois, o talento que está com ele e dêem-no ao que tem dez talentos; -porquanto, dar-se-á a todos os que já têm e esses ficarão cumulados de bens; quanto àquele que nada tem, tira-lhe mesmo o que pareça ter; e seja esse servidor inútil lançado nas trevas exteriores, onde haverá prantos e ranger de dentes. (S. MATEUS, cap. XXV, vv. 14 a 30.) 

Na primeira e superficial leitura dessa parábola, o amo pode parecer um homem cruel e punitivo, afinal ele valoriza quem aumentou sua fortuna e penaliza aquele que, considerando-se zeloso, a enterrou aguardando o retorno do seu senhor. Qual seria então a lição apresentada? O que Jesus em sua sabedoria quis nos dizer com essas palavras? 
Penso que podemos começar analisando o significado da palavra talento. Numa rápida busca no dicionário podemos encontrar as seguintes definições: 
  • Antiga moeda grega 
  • Aptidão invulgar (natural ou adquirida) 
  • Engenho, habilidade, dom. 
Na parábola Jesus refere-se à moeda, mas podemos ampliar nossa compreensão ao pensar nos tantos dons com os quais somos abençoados em nossas existências. São dons que utilizamos para ganhar nosso pão, para cuidar das pessoas queridas, para construir nossas casas, consertar nossos bens. Aprendemos tantas coisas durante uma vida. Uns são bons com números, outros com línguas, alguns hábeis com atividades manuais. Há ainda aqueles que parecem saber ouvir e acalmar as almas aflitas. São tantos talentos que podemos reconhecer em nós e nas pessoas com as quais convivemos. Mas, usamos esses talentos todos ou estamos enterrando-os sem perceber? 
Se Deus nos presenteia com talentos vários é porque espera que façamos uso em prol do nosso desenvolvimento e, também, o da humanidade. 
Eu ouço muitas pessoas dizendo sou bom, levo minha vida sem atrapalhar ninguém, não faço mal ao meu semelhante, cuido da minha família, trabalho, ganho a vida honestamente. Isso é louvável, mas seria o suficiente? 
Apenas cuidar da própria vida seria suficiente? Onde mais nossos talentos podem ser bem vindos? Quais são as capacidades e potencialidades que poderíamos lançar mão para fazer um pouco mais do que já fazemos? 
O que estamos fazendo com nossos talentos? O que sabemos e podemos fazer e deixamos de lado ou para depois por estarmos apenas cuidando de nossas vidas? 
O que a alma nos pede no transcorrer da vida e por estarmos ocupados com a nossa rotina, fazemos ouvidos moucos? Seria possível resumir nossos dias em acordar, cuidar das nossas atribuições sem refletir sobre o real significado do que fazemos, do que somos, de nossa missão? Sem pensar na semente de sonho que foi plantada em nossas almas? E nos talentos que desenvolvemos para transformar esses sonhos em realidade? 
É claro que, muitas vezes, circunstancias nos fazem tomar decisões que nos afastam das possibilidades de colocar nossos genuínos talentos no mundo. Mas não seriam provas para que saibamos o quanto somos fortes e capazes? Quais são os nossos sonhos abandonados? Quais escolhas deixamos para trás? O que por medo e insegurança deixamos de fazer? 
Sei que muitos sacrifícios nos são exigidos, muitas vezes trabalhamos somente motivados pelos salários, pois não é fácil dar conta da vida, pagar as contas, fazer reservas para o futuro, realizar os pequenos sonhos. 
Mas, às vezes, há um clamor interno para que mudemos de atividade, mas por receio e acomodação não arriscamos novos passos e com isso perdemos oportunidade de desenvolver talentos e colocá-los a serviço do mundo. 
Por estarmos numa grande caminhada de desenvolvimento, imagino que muitas dificuldades são colocadas em nosso caminho, não para nos atrapalhar a jornada, e sim para nos fortalecer e nos manter no caminho. E os talentos e sonhos são as ferramentas que devemos lançar mão para afastar essas pedras, permitindo que sigamos adiante. 
Mas, é fundamental que dediquemos tempo e esforço para compreender quais são nossos talentos. Aristóteles disse: “Onde cruzam meus talentos e paixões com as necessidades do mundo, lá está o meu lugar”. 
E quando encontramos esse lugar e nele usamos nossos talentos, parece que eles se multiplicam. Se os guardamos, acontece o inverso: atrofiam como se fosse um músculo privado de atividade. 
Mas, qual seria a relação dos nossos talentos com nossos sonhos? Inclusive aqueles abandonados ou aqueles não percebidos? 
Gostaria de substituir a metáfora da moeda para a da semente e perguntar: em que solo estamos plantando nossas sementes. 
Não seriam nossos sonhos reflexos dos contratos que fizemos antes de reencarnar nessas vidas. Não seriam os sonhos as sementes que temos que tirar da dormência e procurar terra fértil para que germinem? 
Penso que é urgente refletir sobre onde estamos jogando nossas sementes: num fértil solo ou sobre o cimento? 
E se pensarmos não somente em nós? E se ampliarmos nossa reflexão além das nossas existências e pensarmos na humanidade? Se nossa realização está diretamente ligada ao bom uso dos talentos não seria equivocado afirmar que ao nos realizarmos o mundo também é beneficiado? 
Eu acredito, que quando trabalhamos, seja para uma empresa, seja para um projeto, em casa, seja voluntaria ou remuneradamente, utilizamos nossos talentos, mesmo que tenhamos pouca consciência disso. Eles vão à pratica no dia a dia, quando executamos as tarefas a nos atribuídas e também, quando cuidamos para manter relações saudáveis com os outros, assim como o fazemos para compreender o que nos conecta verdadeiramente aquele trabalho. 
Mas, os talentos não se revelam somente no trabalho. Eles podem ser necessários em tantas outras situações da vida e para isso é preciso atenção, desapego e dedicação. Olhemos a nossa volta, o que podemos fazer com o coração entregue para contribuir para o desenvolvimento da humanidade? 
  • Se sei escrever, esse é um talento. 
  • Se sou bom ouvinte, esse é um talento. 
  • Se sou perspicaz, esse é um talento. 
  • Se sou organizada, esse é um talento. 
  • Se sou questionadora, esse é um talento. 
  • Se sei plantar, esse é um talento. 
  • Se sei limpar a casa, esse é um talento. 
  • Se sei informática, esse é um talento. 
  • Se sei dirigir, esse é um talento. 
  • Se sei contar histórias, esse é um talento. 
  • Se sei cozinhar, esse é um talento. 
  • Se sei costurar, esse é um talento. 
  • Se sei fazer contas, esse é um talento. 
  • Se sei ensinar, esse é um talento 

Sim, há muitas formas de manifestar nossos talentos. A pergunta que fica é: como posso colocá-los a serviço do mundo? Como posso ganhar a vida e meu sustento com brilho nos olhos? Como posso doar um pouco do que já recebi? Como posso identificar o que já recebi? 
Como saber se não estou enterrando meus talentos? Como saber se não estou jogando minhas sementes de sonho no cimento? 
Não há resposta pronta, tampouco, definitiva. Mas, se cada um de nós, com coragem e amorosidade, olhar para a própria história, provavelmente encontrará fios que precisam ser reconectados, sonhos que desejam ser realizados e talentos adormecidos pedindo para serem acordados. Não importa se, com nossas habilidades, vamos ganhar nosso pão ou simplesmente doar ao mundo algo bom, o que vale é não enterrar nossos talentos e transformá-los em frondosas arvores que oferecem sombra e alimento para a humanidade. 



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Caridade

Andando pelas ruas é comum nos depararmos com pessoas que estendem a mão pedindo alguns trocados. As reações são várias: há os que desviam do pedinte, os que apressadamente fecham a janela do carro, os que  fuçam na carteira a procura de algumas moedas, os que ficam na dúvida se dar algo representa realmente uma ajuda. Há, ainda, aqueles que conversam, buscam entender o que faz um ser humano perambular pelas ruas dependendo da vontade alheia para sobreviver ou manter seus vícios.
Pessoalmente, acho que já vivenciei todas essas situações. Realmente não sei o que é melhor fazer.
Hoje, parada no semáforo, vi caminhando entre os carros um senhor com vestes andrajosas, barba há muito tempo sem fazer e sem sinal de banho recente. Bateu a dúvida de sempre. Entre o impulso de olhar para o lado, fazer cara de paisagem e dar alguns trocados decidi pela segunda opção. Não sei o que ele fará com os poucos centavos que dei, mas penso que isso não cabe a mim. Espero que ele faça bom uso e esse bom só ele poderá saber o que é. O livre arbítrio é nosso e de quem recebe. 
Mas, preciso dizer que naquele breve instante, vi um par de olhos cansados brilharem, lábios esboçarem um sorriso tímido enquanto ele dizia: Deus a abençoe, minha senhora!
Continuo sem saber o que é correto nessas situações, mas o semblante desse senhor deixou-me com o coração mais tranquilo quanto a essa dúvida.
Talvez seja melhor pensar menos e deixar o coração decidir. 



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desafios das lideranças comunitárias para a gestão participativa

Fernando Pessoa certa vez escreveu: “Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade”.

Fico imaginando o que o inquieto poeta português diria sobre Gestão Participativa. Provavelmente, ele trocaria a palavra dupla por múltipla, pois quando temas importantes para um grupo ou comunidade são discutidos, as visões sobre a verdade são tantas que, muitas vezes, a essência das questões se perde em meio às discussões.

Vivemos numa época em que a expressão Gestão Participativa vem sendo utilizada largamente, porém o que na prática é refletido? O que nos resultados se percebe? Como as pessoas se sentem e se posicionam? Como as lideranças podem se certificar de que todas as vozes foram ouvidas e consideradas? Como quem conduz o processo garante imparcialidade?

Quando decisões são tomadas sem que, corajosamente, se aprofunde a discussão em busca da essência, o resultado mais comum é que as escolhas feitas não contemplem todas as “verdades” e anseios. E, assim, nascem subgrupos que aparentemente aceitam as diretrizes, mas que efetivamente trabalham em prol de seus interesses e crenças.

Adam Kahane, em seu livro Poder e Amor, fala sobre as duas posturas habitualmente adotadas frente a desafios sociais complexos: agressividade ou submissão.

Quando falamos de subgrupos, é possível perceber claramente essas duas forças: uma que busca o embate, ter razão a qualquer custo, e a outra procura colocar panos quentes, não brigar.

O grande desafio do líder é considerar que haverá interesses vários, indivíduos e grupos com tendências mais frias ou quentes, mais ativos ou mais passivos e persistir na busca da essência das questões e para isso é preciso repensar a forma como as decisões são tomadas.

Muitas vezes, a ansiedade em resolver faz com que processos decisórios sejam conduzidos sem que se considerem a história, as reais necessidades e capacidades dos envolvidos, os impactos e conseqüências a curto, médio e longo prazos. Além disso, perde-se a sensibilidade para identificar como as pessoas estão se sentindo no processo e quais são as “panelinhas” que poderão se formar para fazer valer seus interesses particulares. E pior que isso é o próprio líder participar de um desses subgrupos. O que sabemos, acontece frequentemente.

Para o líder é necessária uma mudança de paradigma, acalmar os ânimos e criar espaços abertos para que “todas as verdades” sejam consideradas. O primeiro passo é trabalhar internamente para reter o julgamento, aceitar os próprios sentimentos de simpatia e antipatia, mas não deixar se guiar por eles e sim pelos fatos, dados, informações.

A liderança que não faz esse lapidar interno será incapaz de ouvir genuinamente os demais envolvidos e, sobretudo, ajudá-los e inspirá-los na árdua tarefa de se ater aos fatos e não às sensações, aos medos, às crenças, aos desejos.

Dado o primeiro passo, o do lapidar-se, o líder terá como desafio transformar-se num facilitador, deixando a figura do condutor de lado. Como facilitador, uma de suas principais tarefas será de ajudar o grupo a ampliar sua visão sobre a questão e neste momento existe uma grande quebra de paradigma, pois não são respostas que ele dará mas, sim, fará perguntas, aprofundará questionamentos, buscará informações ouvindo cada integrante, fomentando a participação ativa de todos.

Quando o líder atua como facilitador, cada participante tem a possibilidade de se empoderar, de ser mais criativo e contributivo.

Aquele que lidera um processo decisório precisa ter consciência de que sucesso do resultado final, da implementação é tão importante quanto desenvolvimento do grupo, pois só se tem a verdadeira gestão participativa se a decisão tomada coletivamente é levada à pratica coletivamente e cooperativamente.