segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A cheia e a seca

Em meados de abril pela primeira vez pisei em solo paraense, exatamente em Santarém, município bem vivido, que em 2012 completou 351 anos, comemorados pelos seus quase 300 mil habitantes. 

Tinha ideia de que a cidade fosse parecida com algumas terras amazônicas que já havia conhecido, mas não, trata-se de uma cidade grande que cresceu e cresce aceleradamente às margens do Tapajós, o rio com jeito de mar, que com sua força segura as águas barrentas do Amazonas quando chegam à cidade. 

Aliás, um crescer que custa muitas árvores derrubadas. Esse mal que parece ser impossível de controlar. O desmatamento acontece a olhos vistos, deixando nuas do lindo verde grandes extensões. Num período de dois meses uma área de mais de 500 hectares de mata nativa foi ceifada para dar lugar a um condomínio de casas que está sendo construído próximo ao aeroporto da cidade. 

Santarém é uma cidade rica, o principal centro econômico financeiro do oeste do estado, embora isso não se possa notar nas ruas. Em algumas, de bairros considerados bons, o esgoto corre a céu aberto. Mas, é rica e tem na agropecuária uma das forças da sua economia. E essa riqueza deve despertar muitos interesses políticos e foi um dos fatores que levou ao desejo de criação do Estado do Tapajós, cuja capital seria a cidade. 

Em minha primeira estada, cheguei pouco depois do plebiscito que decidira pela não divisão do Estado do Pará e pude ouvir da maioria das pessoas criticas a forma como foi conduzida e votação. Mas, pareceu-me que embora oficialmente o Estado do Tapajós não exista, a população não se fez de rogada e age como se Pará fosse outro Estado. Demorei um pouco para entender o porquê alguns diziam: eu fui para o Belém, lá no Pará. Não há resignação com a decisão da maioria, há incomodo e um jeito peculiar de lidar com a expectativa não atendida. Parece-me que para eles o Estado do Tapajós existe, está no coração do povo. 

E essa característica parece habitar a alma do Mocorongo – sim o nativo de Santarém é assim chamado. Percebo no povo uma imensa resiliência para lidar com as questões complexas típicas de uma região rica que divide a riqueza de forma desigual. 

Para Santarém segue a maioria das pessoas que vive nas comunidades do entorno. Elas vão para resolver questões de ordem prática, comprar alimentos, ter atendimento médica, jurídico. Para algumas a distância, medida no tempo, soma dias de viagem de barco. 

E o porto da cidade é um exemplo de belo caos. São centenas de barcos, de diferentes tipos, cores e tamanhos e um constante formigueiro humano chegando e saindo. Na Amazônia, como já muito se disse, os rios são estradas e por lá sua gente brava circula. 

Além dos negócios agropecuários, o turismo é outra força local. Distante cerca de 35 quilômetros do centro de Santarém, está Alter do Chão, vila que tem o turismo como porto forte. A beleza do lugar justifica o interesse do turista. Melhor seria dizer, as belezas, pois só no plural se pode descrever o pequeno distrito. Tem a imensidão do Tapajós, que contraí e expande de acordo com as chuvas. Na seca, ele se abre em lindas praias, atraindo gente de todo o lado. Para ter ideia o jornal inglês The Guardian avaliou como uma das praias mais bonitas do Brasil e a praia de água doce mais bonita do mundo. 

É na alta temporada o momento em que os nativos e aqueles que para lá se mudaram (alguns estrangeiros, inclusive), tem a oportunidade de ampliar suas fontes de renda. Nessa época (agosto a março) a chamada Ilha do Amor parece emergir e suas malocas (o que no sul chamamos de quiosques) que abrigam bares que colorem as brancas areias com mesas e cadeiras. Em dias de sol, mais comuns que os cinzentos, o movimento é intenso. 

Além da Ilha do Amor, a Ponta do Cururu é outro ponto muito visitado. 

Quando as águas chegam, a praia vai paulatinamente se escondendo e os únicos vestígios da Ilha do Amor são os telhados de palha das malocas, que submersas esperam a outra seca para voltar a ser atração turística. 

Mas, a beleza do local não deixa de existir com as chuvas. O Tapajós, majestoso e imponente se espalha cobrindo de água claríssima as calçadas das casas construídas à sua margem. Daí o programa para o visitante pode ser seguir de voadeira até a Flona – Floresta Nacional e lá fazer uma trilha guiada pela mata amazônica. 

Nesse período de muitas águas, pode-se, também visitar alguns de ribeirinhos que fazem as marombas, adaptações em suas casas que deixam o piso quase colar no teto, enquanto que o original fica submerso. Assim eles convivem harmoniosamente com o sobe e desce do rio. É uma experiência interessante conhecer essa gente que segue o ritmo da natureza. Há muita sabedoria nessas comunidades. 

Em virtude do trabalho, além de conhecer um pouco da região, tenho a oportunidade de conviver com algumas pessoas que passam a vida por lá e, é claro, tem uma visão diferente da minha que tenho a vida estabelecida na São Paulo do Rio Tiete. 

Esse povo que vive nessa terra quente em praticamente todos os 365 dias do ano, que são guiados e reverenciam os ritmos da natureza, que lidam com questões sociais complexas e com inspiradora resiliência é um exemplo para quem, como eu, vive em grandes centros urbanos onde se tem com facilidade tudo o que queremos. 

Já disse em outra oportunidade que não tenho a intenção de deixar as comodidades e facilidades que tenho na minha São Paulo, mas estou me ponto à prova a cada vez que aporto nessas terras distantes e com cultura tão diferente das percebidas nos grandes centros urbanos. 

Aos poucos vou provando dessa riqueza a aproveitando a oportunidade que a vida me dá de conhecer tantos lugares e tantas pessoas, tantas histórias. A cada estada me provoco a sair da minha zona de conforto pelo menos uma vez, seja experimentando uma comida que jamais pensei existir, dormindo em rede (adorei), metendo o pé na lama, andando na mata (quem me conhece sabe o que isso significa) e até algo que julgava incapaz: tomando banho de água fria (continuo preferindo a água quentinha, mas já não resmungo mais). 

Esses lugares e essas gentes tem a generosidade de me ensinar a aproveitar a vida quando contrai e quando expande. A seca e a cheia.

Rio Tapajós - Alter do Chão - Abril 2012


Rio Tapajós - Alter do Chão - Novembro 2012

domingo, 15 de abril de 2012

Os Faraós do nosso tempo

No Antigo Egito os reis gozavam do status de Deus na Terra. A eles era atribuído o título de Faraó. 

O Faraó era um monarca todo poderoso, rodeado de uma corte de servos e de um povo que seguia cegamente os seus ditames. Mais que um simples rei, o faraó era também o administrador máximo, o chefe do exército e sacerdote supremo. 

Como administrador arrecadava os impostos e decidia a forma que seriam utilizados. Grande parte da arrecadação ficava com a própria família do Faraó. Era utilizado, entre outras coisas, para a construção de palácios, monumentos, compra de joias, etc.. 

Eram, em sua maioria, déspotas e escravizavam seus e outros povos. E seus seguidores não questionavam seu poder, realmente os consideravam como deuses encarnados. 

À época o ser humano não tinha plena consciência de sua individualidade, de sua capacidade de decisão, tanto que se um rapaz fosse filho de artesão, artesão seria. A capacidade de transformação das condições de vida que temos hoje em dia não era algo considerado, imaginado. Então, seguir ao líder máximo era absolutamente natural e inquestionável. 

Em nosso tempo, depois de séculos de um processo de individuação temos a capacidade e condição de nos colocarmos como indivíduos conscientes e donos da própria vontade. E sabemos tudo o que há de bom e de ruim nisso. 

Porém, mesmo conscientes de sua individualidade há muitos que se deixam escravizar pelos Faraós do nosso tempo. 

Os “deuses” encarnados atuais respondem pelo nome Apóstolos, Bispos, Missionários, etc. Líderes das igrejas que proliferam no mundo e tem no Brasil um grande celeiro. 

A recente briga entre o “Bispo” Edir Macedo e o “Apóstolo” Valdomiro Santiago traz a tona e ilustra muito bem a relação que os seguidores tem com esses líderes religiosos. 

Fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo valendo-se do fato de ser proprietário da TV Record, veiculou num programa da emissora uma reportagem sobre o enriquecimento de Valdomiro Santiago, que deixou a IURD para criar sua Igreja Mundial do Poder de Deus. 

O Edir Macedo, que é alvo constante de investigações sobre enriquecimento ilícito, deve ter ficado bastante incomodado com o carisma do ex-aliado, afinal desde a fundação da Igreja Mundial do Poder de Deus muitos de seus fieis seguram Valdomiro, destinando seus dízimos para outros cofres. Então, pode-se inferir que a acusação feita no jornalístico de sua emissora não tem apenas a boa intenção de denunciar irregularidades que causem danos ao fisco e ao povo. 

Em resposta, o autointitulado Apóstolo Valdomiro, gravou em estúdio um lacrimoso depoimento em que diz que terá que ir à rua com seu povo. Aqui ele demonstra ser um Faraó do nosso tempo, dizendo que entrega milhares pratos de comida, passagem para pessoas que querem ir para seus Estados, remédios... Com expressão consternada diz: julguem meu trabalho, meu ministério, a minha conduta... eu só quero ajudar, só quero trabalhar, eu só quero pregar o evangelho. Eu não suporto mais o que estão fazendo comigo... eu vou convocar o meu povo. 




Esse povo sobre o qual fala Valdomiro Santiago são os seguidores de sua igreja, pessoas que tal qual o povo do Antigo Egito não questionam as palavras de quem está no púlpito conclamando-os a ter fé cega e comprar seu pedacinho do céu com o pagamento do dizimo. 

Os seguidores de igrejas como a Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo; Mundial do Poder de Deus, de Valdomiro Santiago e Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia agem cegamente, assim como o povo do Antigo Egito que confiava ao monarca a condução de suas vidas. Porém, vivemos em outra época, num tempo em que o ser humano tem consciência de sua individualidade e tem a capacidade de questionamento que, infelizmente, parece não estar sendo bem utilizada por milhares e milhares de pessoas. 

Em nome de Deus e de Jesus Cristo esses homens seduzem seus fieis e enriquecem a custa das doações, inclusive de quem dispõe de poucos recursos, como pode-se constatar no vídeo abaixo:




Em 1995 a TV Globo exibiu uma reportagem em que apresentava Edir Macedo “ensinando” a cúpula da sua igreja a convencer os fieis a fazer as doações. Sem entrar no mérito e nos interesses da Rede Globo em abalar a imagem do dono da emissora de TV que ameaça sua audiência, a matéria mostra o descaso do líder da IURD com relação aos fieis. 



Não seria absurdo pensar que após a divulgação dessas imagens que seus seguidores se revoltassem e abandonassem a igreja. Mas, não foi isso que aconteceu, pois 17 anos após a denúncia, o que se vê é uma igreja fortalecida, inaugurando templos monumentais que sempre lotam em dias de cultos. E isso não acontece somente no Brasil, essas congregações se alastram mundo afora angariando cada vez mais adeptos. Pessoas que “terceirizam” o controle e o destino de suas vidas e acreditam que suas conquistas são fruto dessa fé cega.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Paz

Há uma questão sempre me inquietou bastante, acho que nem vou conseguir me expressar claramente sobre esse tema, mas preciso de alguma forma faze-lo. É o seguinte: tenho dificuldade de entender os porquês das guerras, discórdias sejam as entre nações ou entre indivíduos. E as guerras podem se manifestar de forma bem evidente, como podemos ver em toda a história da humanidade, ou de maneira velada, sorrateira, fria - como podemos observar no nosso dia-a-dia.

Certa vez um amigo me disse que quando trabalhava em determinada empresa ocupava um período para dar conta de suas tarefas e outro para tentar descobrir as tramoias existentes nas relações. Segundo ele, havia um puxar de tapetes constante, clima de desconfiança, máscaras, muitas máscaras.

Cada vez mais esse tipo de relação me causa estranhamento. Mas, acho que sou um ser ingênuo em demasia. Sempre acredito nas boas intenções das pessoas e considero improvável que alguém intente puxar meu tapete, assim como não passa pela minha cabeça tramar contra alguém.

O fato é que situações em que a desconfiança permeia as interações humanas são muito comuns.
Não quero aqui dizer que não tenho um pezinho atrás vez ou outra, mas francamente, prefiro me perceber sem malícia a ficar na tensão paranoica de que algo pode estar sendo feito às minhas costas.

Embora não seja fácil encontrar o tom certo para manifestar incômodos e satisfações, ter coragem para pedir e maturidade para ouvir feedbacks, cada vez mais vejo como única possibilidade de melhoria das relações busca pela transparência. E transparência não significa abrir-se feito um paraquedas, trata-se apenas de ser verdadeiro consigo e refletir no mundo essa verdade. Sem, é claro, esquecer que a verdade do outro é verdadeira para ele.
Penso que a paz só será possível se seguirmos uma recomendação de São Francisco de Assis:
O importante não é a concordância e sim a compreensão!
E para se conseguir isso, penso ser necessária muita disposição de investigação interna e amorosidade para olhar o outro, seja ele quem for. E, também, desapego.
Não é fácil, mas com algum esforço, possível!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Talentos

Há cerca de um ano frequento um Centro Espirita, uma casa pequena, cheia de amor e excelentes intenções. Os trabalhos mediúnicos sempre são precedidos de uma palestra baseada em alguma passagem do Evangelho Segundo o Espiritismo. Desde novembro tenho me aventurado a ocupar, vez ou outra, a cadeira do palestrante. Tem sido uma experiencia e tanto, que tem me ajudado a refletir, estudar e propor reflexões aos presentes. Hoje, senti forte impulso de compartilhar os textos que preparo para essas ocasiões. Penso que pode ser interessante leitura, qualquer que seja a crença de quem me visita no Formando Imagens.

Como trata-se de uma apanhado de reflexões, ficaria grata e honrada com os comentários.

O texto abaixo será o primeiro que compartilho e está baseado na Parábola dos Talentos.

Parábola dos Talentos

O Senhor age como um homem que, tendo de fazer longa viagem fora do seu país, chamou seus servidores e lhes entregou seus bens. - Depois de dar cinco talentos a um, dois a outro e um a outro, a cada um segundo a sua capacidade, partiu imediatamente. - Então, o que recebeu cinco talentos foi-se, negociou com aquele dinheiro e ganhou cinco outros. - O que recebera dois ganhou, do mesmo modo, outros tantos. Mas o que recebera um cavou um buraco na terra e aí escondeu o dinheiro de seu amo. 
Passado longo tempo, o amo daqueles servidores voltou e os chamou às contas. - Veio o que recebera cinco talentos e lhe apresentou outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão, além desses, mais cinco que ganhei. 
Respondeu- lhe o amo: Servidor bom e fiel; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor. 
O que recebera dois talentos apresentou-se a seu turno e lhe disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão, além desses, dois outros que ganhei. 
O amo lhe respondeu: Bom e fiel servidor; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor. 
Veio em seguida o que recebeu apenas um talento e disse: Senhor, sei que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes de onde nada puseste; - por isso, como te temia, escondi o teu talento na terra; aqui o tens: restituo o que te pertence. 
O homem, porém, lhe respondeu: Servidor mau e preguiçoso; se sabias que ceifo onde não semeei e que colho onde nada pus, - devias pôr o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, a fim de que, regressando, eu retirasse com juros o que me pertence. Tirem-lhe, pois, o talento que está com ele e dêem-no ao que tem dez talentos; -porquanto, dar-se-á a todos os que já têm e esses ficarão cumulados de bens; quanto àquele que nada tem, tira-lhe mesmo o que pareça ter; e seja esse servidor inútil lançado nas trevas exteriores, onde haverá prantos e ranger de dentes. (S. MATEUS, cap. XXV, vv. 14 a 30.) 

Na primeira e superficial leitura dessa parábola, o amo pode parecer um homem cruel e punitivo, afinal ele valoriza quem aumentou sua fortuna e penaliza aquele que, considerando-se zeloso, a enterrou aguardando o retorno do seu senhor. Qual seria então a lição apresentada? O que Jesus em sua sabedoria quis nos dizer com essas palavras? 
Penso que podemos começar analisando o significado da palavra talento. Numa rápida busca no dicionário podemos encontrar as seguintes definições: 
  • Antiga moeda grega 
  • Aptidão invulgar (natural ou adquirida) 
  • Engenho, habilidade, dom. 
Na parábola Jesus refere-se à moeda, mas podemos ampliar nossa compreensão ao pensar nos tantos dons com os quais somos abençoados em nossas existências. São dons que utilizamos para ganhar nosso pão, para cuidar das pessoas queridas, para construir nossas casas, consertar nossos bens. Aprendemos tantas coisas durante uma vida. Uns são bons com números, outros com línguas, alguns hábeis com atividades manuais. Há ainda aqueles que parecem saber ouvir e acalmar as almas aflitas. São tantos talentos que podemos reconhecer em nós e nas pessoas com as quais convivemos. Mas, usamos esses talentos todos ou estamos enterrando-os sem perceber? 
Se Deus nos presenteia com talentos vários é porque espera que façamos uso em prol do nosso desenvolvimento e, também, o da humanidade. 
Eu ouço muitas pessoas dizendo sou bom, levo minha vida sem atrapalhar ninguém, não faço mal ao meu semelhante, cuido da minha família, trabalho, ganho a vida honestamente. Isso é louvável, mas seria o suficiente? 
Apenas cuidar da própria vida seria suficiente? Onde mais nossos talentos podem ser bem vindos? Quais são as capacidades e potencialidades que poderíamos lançar mão para fazer um pouco mais do que já fazemos? 
O que estamos fazendo com nossos talentos? O que sabemos e podemos fazer e deixamos de lado ou para depois por estarmos apenas cuidando de nossas vidas? 
O que a alma nos pede no transcorrer da vida e por estarmos ocupados com a nossa rotina, fazemos ouvidos moucos? Seria possível resumir nossos dias em acordar, cuidar das nossas atribuições sem refletir sobre o real significado do que fazemos, do que somos, de nossa missão? Sem pensar na semente de sonho que foi plantada em nossas almas? E nos talentos que desenvolvemos para transformar esses sonhos em realidade? 
É claro que, muitas vezes, circunstancias nos fazem tomar decisões que nos afastam das possibilidades de colocar nossos genuínos talentos no mundo. Mas não seriam provas para que saibamos o quanto somos fortes e capazes? Quais são os nossos sonhos abandonados? Quais escolhas deixamos para trás? O que por medo e insegurança deixamos de fazer? 
Sei que muitos sacrifícios nos são exigidos, muitas vezes trabalhamos somente motivados pelos salários, pois não é fácil dar conta da vida, pagar as contas, fazer reservas para o futuro, realizar os pequenos sonhos. 
Mas, às vezes, há um clamor interno para que mudemos de atividade, mas por receio e acomodação não arriscamos novos passos e com isso perdemos oportunidade de desenvolver talentos e colocá-los a serviço do mundo. 
Por estarmos numa grande caminhada de desenvolvimento, imagino que muitas dificuldades são colocadas em nosso caminho, não para nos atrapalhar a jornada, e sim para nos fortalecer e nos manter no caminho. E os talentos e sonhos são as ferramentas que devemos lançar mão para afastar essas pedras, permitindo que sigamos adiante. 
Mas, é fundamental que dediquemos tempo e esforço para compreender quais são nossos talentos. Aristóteles disse: “Onde cruzam meus talentos e paixões com as necessidades do mundo, lá está o meu lugar”. 
E quando encontramos esse lugar e nele usamos nossos talentos, parece que eles se multiplicam. Se os guardamos, acontece o inverso: atrofiam como se fosse um músculo privado de atividade. 
Mas, qual seria a relação dos nossos talentos com nossos sonhos? Inclusive aqueles abandonados ou aqueles não percebidos? 
Gostaria de substituir a metáfora da moeda para a da semente e perguntar: em que solo estamos plantando nossas sementes. 
Não seriam nossos sonhos reflexos dos contratos que fizemos antes de reencarnar nessas vidas. Não seriam os sonhos as sementes que temos que tirar da dormência e procurar terra fértil para que germinem? 
Penso que é urgente refletir sobre onde estamos jogando nossas sementes: num fértil solo ou sobre o cimento? 
E se pensarmos não somente em nós? E se ampliarmos nossa reflexão além das nossas existências e pensarmos na humanidade? Se nossa realização está diretamente ligada ao bom uso dos talentos não seria equivocado afirmar que ao nos realizarmos o mundo também é beneficiado? 
Eu acredito, que quando trabalhamos, seja para uma empresa, seja para um projeto, em casa, seja voluntaria ou remuneradamente, utilizamos nossos talentos, mesmo que tenhamos pouca consciência disso. Eles vão à pratica no dia a dia, quando executamos as tarefas a nos atribuídas e também, quando cuidamos para manter relações saudáveis com os outros, assim como o fazemos para compreender o que nos conecta verdadeiramente aquele trabalho. 
Mas, os talentos não se revelam somente no trabalho. Eles podem ser necessários em tantas outras situações da vida e para isso é preciso atenção, desapego e dedicação. Olhemos a nossa volta, o que podemos fazer com o coração entregue para contribuir para o desenvolvimento da humanidade? 
  • Se sei escrever, esse é um talento. 
  • Se sou bom ouvinte, esse é um talento. 
  • Se sou perspicaz, esse é um talento. 
  • Se sou organizada, esse é um talento. 
  • Se sou questionadora, esse é um talento. 
  • Se sei plantar, esse é um talento. 
  • Se sei limpar a casa, esse é um talento. 
  • Se sei informática, esse é um talento. 
  • Se sei dirigir, esse é um talento. 
  • Se sei contar histórias, esse é um talento. 
  • Se sei cozinhar, esse é um talento. 
  • Se sei costurar, esse é um talento. 
  • Se sei fazer contas, esse é um talento. 
  • Se sei ensinar, esse é um talento 

Sim, há muitas formas de manifestar nossos talentos. A pergunta que fica é: como posso colocá-los a serviço do mundo? Como posso ganhar a vida e meu sustento com brilho nos olhos? Como posso doar um pouco do que já recebi? Como posso identificar o que já recebi? 
Como saber se não estou enterrando meus talentos? Como saber se não estou jogando minhas sementes de sonho no cimento? 
Não há resposta pronta, tampouco, definitiva. Mas, se cada um de nós, com coragem e amorosidade, olhar para a própria história, provavelmente encontrará fios que precisam ser reconectados, sonhos que desejam ser realizados e talentos adormecidos pedindo para serem acordados. Não importa se, com nossas habilidades, vamos ganhar nosso pão ou simplesmente doar ao mundo algo bom, o que vale é não enterrar nossos talentos e transformá-los em frondosas arvores que oferecem sombra e alimento para a humanidade. 



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Caridade

Andando pelas ruas é comum nos depararmos com pessoas que estendem a mão pedindo alguns trocados. As reações são várias: há os que desviam do pedinte, os que apressadamente fecham a janela do carro, os que  fuçam na carteira a procura de algumas moedas, os que ficam na dúvida se dar algo representa realmente uma ajuda. Há, ainda, aqueles que conversam, buscam entender o que faz um ser humano perambular pelas ruas dependendo da vontade alheia para sobreviver ou manter seus vícios.
Pessoalmente, acho que já vivenciei todas essas situações. Realmente não sei o que é melhor fazer.
Hoje, parada no semáforo, vi caminhando entre os carros um senhor com vestes andrajosas, barba há muito tempo sem fazer e sem sinal de banho recente. Bateu a dúvida de sempre. Entre o impulso de olhar para o lado, fazer cara de paisagem e dar alguns trocados decidi pela segunda opção. Não sei o que ele fará com os poucos centavos que dei, mas penso que isso não cabe a mim. Espero que ele faça bom uso e esse bom só ele poderá saber o que é. O livre arbítrio é nosso e de quem recebe. 
Mas, preciso dizer que naquele breve instante, vi um par de olhos cansados brilharem, lábios esboçarem um sorriso tímido enquanto ele dizia: Deus a abençoe, minha senhora!
Continuo sem saber o que é correto nessas situações, mas o semblante desse senhor deixou-me com o coração mais tranquilo quanto a essa dúvida.
Talvez seja melhor pensar menos e deixar o coração decidir. 



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desafios das lideranças comunitárias para a gestão participativa

Fernando Pessoa certa vez escreveu: “Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade”.

Fico imaginando o que o inquieto poeta português diria sobre Gestão Participativa. Provavelmente, ele trocaria a palavra dupla por múltipla, pois quando temas importantes para um grupo ou comunidade são discutidos, as visões sobre a verdade são tantas que, muitas vezes, a essência das questões se perde em meio às discussões.

Vivemos numa época em que a expressão Gestão Participativa vem sendo utilizada largamente, porém o que na prática é refletido? O que nos resultados se percebe? Como as pessoas se sentem e se posicionam? Como as lideranças podem se certificar de que todas as vozes foram ouvidas e consideradas? Como quem conduz o processo garante imparcialidade?

Quando decisões são tomadas sem que, corajosamente, se aprofunde a discussão em busca da essência, o resultado mais comum é que as escolhas feitas não contemplem todas as “verdades” e anseios. E, assim, nascem subgrupos que aparentemente aceitam as diretrizes, mas que efetivamente trabalham em prol de seus interesses e crenças.

Adam Kahane, em seu livro Poder e Amor, fala sobre as duas posturas habitualmente adotadas frente a desafios sociais complexos: agressividade ou submissão.

Quando falamos de subgrupos, é possível perceber claramente essas duas forças: uma que busca o embate, ter razão a qualquer custo, e a outra procura colocar panos quentes, não brigar.

O grande desafio do líder é considerar que haverá interesses vários, indivíduos e grupos com tendências mais frias ou quentes, mais ativos ou mais passivos e persistir na busca da essência das questões e para isso é preciso repensar a forma como as decisões são tomadas.

Muitas vezes, a ansiedade em resolver faz com que processos decisórios sejam conduzidos sem que se considerem a história, as reais necessidades e capacidades dos envolvidos, os impactos e conseqüências a curto, médio e longo prazos. Além disso, perde-se a sensibilidade para identificar como as pessoas estão se sentindo no processo e quais são as “panelinhas” que poderão se formar para fazer valer seus interesses particulares. E pior que isso é o próprio líder participar de um desses subgrupos. O que sabemos, acontece frequentemente.

Para o líder é necessária uma mudança de paradigma, acalmar os ânimos e criar espaços abertos para que “todas as verdades” sejam consideradas. O primeiro passo é trabalhar internamente para reter o julgamento, aceitar os próprios sentimentos de simpatia e antipatia, mas não deixar se guiar por eles e sim pelos fatos, dados, informações.

A liderança que não faz esse lapidar interno será incapaz de ouvir genuinamente os demais envolvidos e, sobretudo, ajudá-los e inspirá-los na árdua tarefa de se ater aos fatos e não às sensações, aos medos, às crenças, aos desejos.

Dado o primeiro passo, o do lapidar-se, o líder terá como desafio transformar-se num facilitador, deixando a figura do condutor de lado. Como facilitador, uma de suas principais tarefas será de ajudar o grupo a ampliar sua visão sobre a questão e neste momento existe uma grande quebra de paradigma, pois não são respostas que ele dará mas, sim, fará perguntas, aprofundará questionamentos, buscará informações ouvindo cada integrante, fomentando a participação ativa de todos.

Quando o líder atua como facilitador, cada participante tem a possibilidade de se empoderar, de ser mais criativo e contributivo.

Aquele que lidera um processo decisório precisa ter consciência de que sucesso do resultado final, da implementação é tão importante quanto desenvolvimento do grupo, pois só se tem a verdadeira gestão participativa se a decisão tomada coletivamente é levada à pratica coletivamente e cooperativamente.