sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Interruptor

Numa conversa ligeira com Paulo César Santos, conhecido como PC, o padre gente boa que deixou sua Bahia natal para se embrenhar nas questões sociais que ocupam o povo do Mato Grosso, fiquei sabendo um tantinho mais sobre a vida dos assentados que agora, legalmente, habitam as terras da Fazenda Bordolândia.

Desde que comecei a circular por essas terras distantes da minha querida São Paulo venho cultivando um admiração grande pelas pessoas que aqui vieram tentar melhorar de vida. Muitos progrediram, outros se “acertaram” na vida. E, além desses, considerados pequenos, há os latifundiários. E a Fazenda Bordolândia é uma dessas grandes propriedades. 

A terra de 56.000 hectares, onde há pouco mais de 12 anos aproximadamente 700 famílias se instalaram foi, transformada num acampamento de sem-terras. Gente simples em busca do sonho dourado que se submeteu a viver sob o teto negro de barracas de lona, enfrentando um calor que à sombra margeia os 40°. Sem luz elétrica e água encanada, essas pessoas foram vivendo como podiam. 

Crianças foram concebidas e paridas no acampamento, outros perderam suas vidas na luta, seja contra os interesses sobre a terra, seja por conta das precárias condições sanitárias em que viviam. Alguns, ainda, no cansaço da espera árdua se entregaram ao álcool, desestruturando as famílias já fragilizadas pela vida dura.

Enquanto estavam acampados e não tinham seu pedacinho de chão, havia união e luta pelos mesmos ideais. Mas, era a dura a convivência tão longa e estreita.

Quando o governo começou o processo de entrega dos lotes, 9 anos depois da ocupação, houve a proposta da criação de agrovilas, mas esse tempo em que a proximidade não era uma escolha, fez com que as famílias optassem por ter sua terra para ser cultivada de forma independente, erguendo suas casas afastadas umas das outras. E essas habitações, cerca de 18 meses depois de colocados os pés na terra própria, ainda são bastante precárias, mantendo a condição de acampamento no que diz respeito ao saneamento e eletricidade.

E foi exatamente, neste momento, em que o PC falou sobre a carência dessa estrutura que em mim bateu forte a percepção de que as crianças e adolescentes que cresceram no acampamento, nunca tiveram a oportunidade de chegar em casa e apertar um interruptor ou abrir uma torneira. Eu e meus cabelos brancos, sempre tivemos água e luz a partir dos simples gestos de girar a torneira ou apertar um botão. Fiquei, então, a imaginar o que podem sentir pessoas que em pleno século 21 dependem de velas, lanternas e lampiões para espantar a escuridão e de baldes para matar a sede.

Minha vida é simples, mas cheia de oportunidades e facilidades. Moro num pequeno apartamento num bom bairro de São Paulo, tenho um carro que atende minhas necessidades, viajo para conhecer outros lugares e culturas, vez ou outra permito-me ir a um restaurante bacana e lá deixar uma quantia que certamente alimentaria uma família de assentados por uma semana. É certo que trabalho bastante para manter-me e me permitir a esses pequenos mimos, mas eles também trabalham, lutam bastante para dar conta dos dias.

Acredito que a vida nos dá o que precisamos e não, necessariamente, o que desejamos e que provavelmente eu tenho o que preciso, sejam flores sejam dores e não penso abrir mão dessas facilidades conquistadas e de outras tantas que a vida me proporciona, mas sigo com uma pergunta latejando: Do que preciso realmente para viver? Do que poderia me despojar? De quais regalos que a vida me deu e dá poderia abrir mão? O que posso fazer para materializar minha gratidão por ser tão rica? O que preciso fazer para passar pelo buraco da agulha, feito um camelo bíblico?

Foto copiada do site da TV Centro América