segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A cheia e a seca

Em meados de abril pela primeira vez pisei em solo paraense, exatamente em Santarém, município bem vivido, que em 2012 completou 351 anos, comemorados pelos seus quase 300 mil habitantes. 

Tinha ideia de que a cidade fosse parecida com algumas terras amazônicas que já havia conhecido, mas não, trata-se de uma cidade grande que cresceu e cresce aceleradamente às margens do Tapajós, o rio com jeito de mar, que com sua força segura as águas barrentas do Amazonas quando chegam à cidade. 

Aliás, um crescer que custa muitas árvores derrubadas. Esse mal que parece ser impossível de controlar. O desmatamento acontece a olhos vistos, deixando nuas do lindo verde grandes extensões. Num período de dois meses uma área de mais de 500 hectares de mata nativa foi ceifada para dar lugar a um condomínio de casas que está sendo construído próximo ao aeroporto da cidade. 

Santarém é uma cidade rica, o principal centro econômico financeiro do oeste do estado, embora isso não se possa notar nas ruas. Em algumas, de bairros considerados bons, o esgoto corre a céu aberto. Mas, é rica e tem na agropecuária uma das forças da sua economia. E essa riqueza deve despertar muitos interesses políticos e foi um dos fatores que levou ao desejo de criação do Estado do Tapajós, cuja capital seria a cidade. 

Em minha primeira estada, cheguei pouco depois do plebiscito que decidira pela não divisão do Estado do Pará e pude ouvir da maioria das pessoas criticas a forma como foi conduzida e votação. Mas, pareceu-me que embora oficialmente o Estado do Tapajós não exista, a população não se fez de rogada e age como se Pará fosse outro Estado. Demorei um pouco para entender o porquê alguns diziam: eu fui para o Belém, lá no Pará. Não há resignação com a decisão da maioria, há incomodo e um jeito peculiar de lidar com a expectativa não atendida. Parece-me que para eles o Estado do Tapajós existe, está no coração do povo. 

E essa característica parece habitar a alma do Mocorongo – sim o nativo de Santarém é assim chamado. Percebo no povo uma imensa resiliência para lidar com as questões complexas típicas de uma região rica que divide a riqueza de forma desigual. 

Para Santarém segue a maioria das pessoas que vive nas comunidades do entorno. Elas vão para resolver questões de ordem prática, comprar alimentos, ter atendimento médica, jurídico. Para algumas a distância, medida no tempo, soma dias de viagem de barco. 

E o porto da cidade é um exemplo de belo caos. São centenas de barcos, de diferentes tipos, cores e tamanhos e um constante formigueiro humano chegando e saindo. Na Amazônia, como já muito se disse, os rios são estradas e por lá sua gente brava circula. 

Além dos negócios agropecuários, o turismo é outra força local. Distante cerca de 35 quilômetros do centro de Santarém, está Alter do Chão, vila que tem o turismo como porto forte. A beleza do lugar justifica o interesse do turista. Melhor seria dizer, as belezas, pois só no plural se pode descrever o pequeno distrito. Tem a imensidão do Tapajós, que contraí e expande de acordo com as chuvas. Na seca, ele se abre em lindas praias, atraindo gente de todo o lado. Para ter ideia o jornal inglês The Guardian avaliou como uma das praias mais bonitas do Brasil e a praia de água doce mais bonita do mundo. 

É na alta temporada o momento em que os nativos e aqueles que para lá se mudaram (alguns estrangeiros, inclusive), tem a oportunidade de ampliar suas fontes de renda. Nessa época (agosto a março) a chamada Ilha do Amor parece emergir e suas malocas (o que no sul chamamos de quiosques) que abrigam bares que colorem as brancas areias com mesas e cadeiras. Em dias de sol, mais comuns que os cinzentos, o movimento é intenso. 

Além da Ilha do Amor, a Ponta do Cururu é outro ponto muito visitado. 

Quando as águas chegam, a praia vai paulatinamente se escondendo e os únicos vestígios da Ilha do Amor são os telhados de palha das malocas, que submersas esperam a outra seca para voltar a ser atração turística. 

Mas, a beleza do local não deixa de existir com as chuvas. O Tapajós, majestoso e imponente se espalha cobrindo de água claríssima as calçadas das casas construídas à sua margem. Daí o programa para o visitante pode ser seguir de voadeira até a Flona – Floresta Nacional e lá fazer uma trilha guiada pela mata amazônica. 

Nesse período de muitas águas, pode-se, também visitar alguns de ribeirinhos que fazem as marombas, adaptações em suas casas que deixam o piso quase colar no teto, enquanto que o original fica submerso. Assim eles convivem harmoniosamente com o sobe e desce do rio. É uma experiência interessante conhecer essa gente que segue o ritmo da natureza. Há muita sabedoria nessas comunidades. 

Em virtude do trabalho, além de conhecer um pouco da região, tenho a oportunidade de conviver com algumas pessoas que passam a vida por lá e, é claro, tem uma visão diferente da minha que tenho a vida estabelecida na São Paulo do Rio Tiete. 

Esse povo que vive nessa terra quente em praticamente todos os 365 dias do ano, que são guiados e reverenciam os ritmos da natureza, que lidam com questões sociais complexas e com inspiradora resiliência é um exemplo para quem, como eu, vive em grandes centros urbanos onde se tem com facilidade tudo o que queremos. 

Já disse em outra oportunidade que não tenho a intenção de deixar as comodidades e facilidades que tenho na minha São Paulo, mas estou me ponto à prova a cada vez que aporto nessas terras distantes e com cultura tão diferente das percebidas nos grandes centros urbanos. 

Aos poucos vou provando dessa riqueza a aproveitando a oportunidade que a vida me dá de conhecer tantos lugares e tantas pessoas, tantas histórias. A cada estada me provoco a sair da minha zona de conforto pelo menos uma vez, seja experimentando uma comida que jamais pensei existir, dormindo em rede (adorei), metendo o pé na lama, andando na mata (quem me conhece sabe o que isso significa) e até algo que julgava incapaz: tomando banho de água fria (continuo preferindo a água quentinha, mas já não resmungo mais). 

Esses lugares e essas gentes tem a generosidade de me ensinar a aproveitar a vida quando contrai e quando expande. A seca e a cheia.

Rio Tapajós - Alter do Chão - Abril 2012


Rio Tapajós - Alter do Chão - Novembro 2012