sábado, 20 de agosto de 2011

Sol e Fumaça

O sol vai preguiçosamente em direção ao hemisfério norte, deixando um lindo rastro laranja como presente de despedida do dia. Nesse cenário, a voadeira segue o Araguaia acima, vincando a água que reflete a mistura que se faz do poente com a fumaça que é fruto da queimada que arde na Ilha do Bananal.

É assim esta terra, a sintetização da incongruência, o convívio estreito do belo espetáculo da natureza – rio, mata, sol nascente, ardente e poente, mata, fauna e flora exuberante – com cenários de destruição – coivaras, desmatamento, assoreamento e poluição dos rios.

Os personagens que circulam pelas ruas da pequena e importante São Felix do Araguaia são tão diversas e idiossincráticas que requer estudo e reflexão para se começar a ter uma pálida idéia do que sociologicamente a região pode significar.

Há indígenas de várias etnias circulando à margem e dentro do rio. Os Karajás se apresentam em maior número, pois muitas de suas aldeias ficam do outro lado do Araguaia, na Ilha do Bananal, já no Estado do Tocantins porém, a 10 minutos viajando de voadeira. Alguns ainda são adeptos das pequenas e tradicionais canoas, que alongam as horas de viagem. Mas, vê-se Xavantes, Suyas, Tapirapés e tantos outros povos que tem seus assuntos com a sociedade não indígena. Um dos temas mais recorrentes refere-se à posse das terras que na década de 60 se transformou em latifúndio por força de interesses econômicos e políticos, mesmo com decisões governamentais a favor que datam mais de 15 anos, vivem uma intensa luta para voltar a seus territórios, visto por eles como sagrados. Um dos exemplos mais claros é o Povo Xavante da aldeia Maraewatsede, cuja história já me referi no post “Vivências matogrossenses II” .

Além dos indígenas, há migrantes que chegaram para tentar nova vida e constituíram família, dando os primeiros filhos da jovem cidade fundada oficialmente em 13/05/1976. Muitos ainda vivem na roça, em pequenas propriedades espalhadas pela região que compreende outras cidades, como Luciara, Serra Nova Dourada, Alto da Boa Vista. Outros fizeram opção por viver nos pequenos centros urbanos.

Outras figuras que são facilmente encontradas são os profissionais ligados à fazendas de soja e gado. São técnicos agrícolas, veterinários, representantes comerciais e toda uma sorte de especializações necessárias aos negócios agropecuários que movimentam a economia da região. Na pequena e simples pousada em me hospedo, quase sempre sou a única mulher. A questão de gênero já provoca alguns olhares curiosos e quando sou perguntada sobre o que vou fazer naquela lonjura e respondo que conduzo uma formação para lideranças sociais a interrogação se amplia com cores fortes.

Acho que da mesma forma que não consigo compreender os motivos que leva alguém destruir um rico e belo patrimônio natural e/ou trabalhar nessa “industria”, deve ser muito difícil para eles entenderem o que leva uma moça sair de sua São Paulo e se dedicar a ser professora (é assim que muitos conseguem definir meu papel por lá) de assentados, indígenas e “essa gente das ONGS e da Igreja”. Muitos demonstram não entender minha indignação com o desmatamento e dizem que fazem tudo dentro da lei. Tento argumentar que essa destruição tem um preço alto para nós e para as futuras gerações, mas a resposta é a mesma: faço tudo dentro da lei.

Bem, vou continuar seguindo o que meu coração pede e não desistir do que ainda vejo como utopia, mas que me move na vida: um dia será possível ter clareza de quem somos nós e de quem são eles e cientes da nossa individualidade, das nossas diferenças, vamos construir um bom futuro para esse planeta. Isso tudo, de preferência, em boas e frutíferas conversas à beira do magnífico Araguaia. Com sol e sem fumaça.

Imagem obtida na margem matogrossense do Araguaia.
Dou outro lado, a Ilha do Bananal, no Estado do Tocantins

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Amarelo vivo

Sobrevoando o Brasil central, no cerradão já tão ceifado, vejo rios com seus leitos seminus, despidos de suas águas profundas pela seca típica da época.
E lá em cima, o pequeno avião segue e a paisagem pouco muda. Nos primeiros momentos do vôo vê-se elevações que exibem suas veias e pouco depois começa um plano que os olhos não conseguem ver o fim. Vez ou outra surgem, majestosas, as copas de ipês carregados de amarelo vivo. Alguns juntinhos parecem famílias unidas enfrentando o sol ardente e a secura, outros já se mostram aventureiros e ocupam sozinhos vasta área.
Vejo, também, pasto onde era mata, quilômetros de asfalto que cortam regiões, à primeira vista, desabitadas. Nessas estradas margeadas pelo pouco que resta de verde nativo, por muito tempo não avisto nenhum carro, caminhão ou ônibus. Pergunto-me, então, porque são construídas essas rodovias se parecem ser sub-utilizadas? Meu julgamento rápido dá a pista de que poucos devem ter ganhado muito com a obra. Aliás, outra pergunta me ocorre, é como seriam utilizados os tantos rios que serpenteiam essas terras.
Depois de algum tempo, o que se vê do alto vai mudando. Plantações em formato circular vão aparecendo aqui e ali e inúmeras estradinhas marcam a terra como se fossem rugas de uma pele curtida ao sol. Procuro habitações e são raras as que encontro. São distâncias imensas que separam cada construção. Outro questionamento me absorve: como será viver assim tão isolado? Para uma paulistana, acostumada à proximidade das edificações chega a dar arrepios imaginar-me vivendo no que parece ser o meio do nada.  E isso me faz lembrar que mesmo “colada” ao meu vizinho, pouco ou nada sei sobre ele. Outras distâncias.
Quanto mais se aproximam as cidades, mais vejo terra rasgada seja pela seca, seja pelo humano que cria seus caminhos em direção aos amontoados urbanos que crescem aos olhos enquanto o avião começa a descida.
Mais próxima do solo, vejo com mais clareza o quanto a natureza é resistente e persistente. São olhos  d'água que perdem seus cílios, mas não a majestade dos ipês que as margeiam. É tanta beleza e fluidez que me custa acreditar que o ser humano não consiga viver em completa harmonia com o que o planeta naturalmente dá.
Eu busco em meu coração as razões para continuar acreditando que a mão destrutiva do homem caminha para ser tão efêmera quanto a florada dos ipês.

Em algum ponto entre Gurupi e São Felix do Araguaia